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Conferência Europeia sobre Green Mining

Lisboa, 5 de Maio de 2021

As Associações e Movimentos signatários, que se opõem a projetos extrativos existentes ou designados, apresentam neste documento o seu repúdio à narrativa de Green Mining que serve de mote para esta Conferência Europeia.

Green Mining está a ser apresentado pela indústria extractiva, pela Comissão Europeia (CE) e pelos governos dos Estados-membros como um conceito que corresponderá a uma mineração entendida como responsável e sustentável. Uma mineração que engloba em si a máxima eficiência na utilização da água, energia e minérios extraídos e que afirma assegurar a conservação dos recursos naturais e minerais para as gerações futuras. Ao mesmo tempo, promete uma minimização dos impactos sociais, ambientais e patrimoniais provocados pelos efeitos da exploração.

Afirmamos que a simultaneidade na prossecução destes objectivos é uma falácia. A maioria dos projetos propostos traduz-se na extração de filões cada vez menos rentáveis, num aumento da quantidade de rejeitados, e pela adoção do método de mineração a céu aberto que, na realidade, é impulsionada por proporcionar menores custos e maiores lucros.

A partir da crise económica de 2008, a Europa viu-se confrontada com a necessidade de se aprovisionar de matérias-primas que designou críticas, antecipando circunstâncias geopolíticas e financeiras que pudessem obstaculizar o acesso aos seus fornecedores habituais. Quase em simultâneo, e assumindo o impacto da utilização de combustíveis fósseis nos transportes para a acumulação de gases com efeito de estufa – principais responsáveis pelas alterações climáticas – a Europa traçou planos e objectivos de descarbonização alicerçados na substituição dos veículos com motores de combustão por veículos eléctricos (assumindo neste âmbito um compromisso com a indústria automóvel). Consequentemente, passou a afirmar a necessidade de desenvolver a produção de baterias, cujos componentes são, na sua generalidade, obtidos pelo recurso à mineração. Face à conjuntura da “descarbonização” versus “necessidades energéticas”, mais baterias serão necessárias ainda para acumular a energia obtida a partir de fontes descontínuas (solar, eólica). Mesmo correndo o risco deste modelo não ser nem autossuficiente nem competitivo relativamente à indústria extractiva asiática e sul-americana, o desenvolvimento deste sector foi considerado uma necessidade estratégica no contexto europeu (European Battery Alliance, 2017), com a criação de vários clusters e alianças estratégicas ao nível dos Estados-membros, e entre eles.

Estamos assim perante um grave conflito entre Ecologia e Economia, uma vez que atingir um objetivo aparentemente benéfico para o Ambiente, assente numa eventual redução dos gases de efeito de estufa, passa por exigir o sacrifício de vastas áreas perdidas para a mineração. Uma verdadeira Economia, com uma gestão adequada do planeta e dos seus recursos finitos, deveria sempre ser ecológicamente sustentável,  o que é incompatível com a indústria extractiva massiva. Conscientes de que é cada vez mais difícil obter aprovação da sociedade e das populações diretamente afetadas, os seus promotores desenvolveram a narrativa do Green Mining. Desta narrativa, entendida assim enquanto “mineração sustentável”, pretende-se escamotear:

  • Que a mineração nunca é sustentável, uma vez que os recursos minerais não são renováveis – o que não se coaduna com o slogan de que se atua com responsabilidade para com as gerações futuras;
  • Que, de acordo com o Global Resources Outlook 2019, a indústria extractiva e o processamento dos recursos é, a nível global, responsável por 90% da perda de biodiversidade, pelo aumento do stress hídrico, e por cerca de metade das emissões globais de gases com efeito de estufa;
  • Que os impactos da mineração a céu aberto, assim como da mineração em galeria, dão inevitavelmente origem a enormes escombreiras de rejeitados e de lamas, detritos que são geradores de graves danos nas áreas adjacentes. Danos que, pelo efeito das escorrências, se alargam a áreas mais vastas, afetando em grande medida a posterior utilização dos solos afectados para actividades sustentáveis;
  • A alteração, que pode ser permanente, do funcionamento hidrogeológico do subsolo até ao limite de profundidade da exploração. Não só pela poluição das águas utilizadas nas fases de extracção, lavagem e concentração dos minérios como pelos elevadíssimos consumos que  pretendem justificar através de uma suposta utilização eficiente da água em circuito fechado. O que está em causa é autorizar o uso de água potável para gerar lucro a empresas privadas. Água que é um bem comum cada vez mais escasso e que é essencial para a sustentabilidade dos territórios e da vida;
  • Muitas das regiões onde decorrem atividades extrativas ou onde se pretende implementar novos projectos sofrem de seca severa ou extrema durante a maior parte do ano. Seca esta que está associada ao fenómeno global das alterações climáticas e cuja génese assenta no impacto gradativamente causado pela industrialização iniciada no século XVIII. Este impacto aumentou exponencialmente pela aplicação das políticas de produção e consumo excessivo implementadas durante o século passado. O extermínio de ecossistemas nativos para a agricultura e pecuária massivas, as monoculturas de florestação intensiva e a erradicação de floresta autóctone, o abandono de práticas agrícolas tradicionais, a massificação do uso do automóvel individual, o impacto do turismo global de baixo custo, etc. são as linhas definidoras do actual modelo económico, que usa e abusa dos recursos do planeta sob o signo do lucro e do crescimento económico contínuo –  e que se pretende perpetuar com a aliança entre a Reindustrialização da Europa e uma ação climática com falta de visão.
  • Os incalculáveis consumos de energia das operações de extracção, lavagem, concentração e transporte dos minérios implicam, muitos deles, a utilização de combustíveis fósseis – facto que contrapõe a alegação da eficiência na utilização de recursos energéticos;
  • A necessidade da remoção de imensas massas de rocha encaixante até atingir os filões; a inviabilidade, tanto tecnológica como dos elevados custos que acarreta, da recuperação de muitos minérios presentes nos rejeitados devido à sua baixa concentração;  a lixiviação de sulfuretos presentes nas escombreiras e taludes que reagem com a água gerando ácido sulfúrico, que escorre para as linhas de água adjacentes, e  depositam metais pesados, arsénio, etc., ameaçando a saúde pública e os ecossistemas; a existência de pedidos de prospeção em zonas uraníferas que, a serem exploradas, acarretarão poluição radioactiva no local e nas zonas envolventes; a deposição de poeiras (com altas concentrações de micas e fluoretos, a exemplo) a longa distância por acção dos ventos, com a consequente deterioração das condições para a prática agrícola e aumento exponencial das áreas impactadas – a estes factos, contrapõem os promotores do Green Mining alegando eficiência na utilização dos minerais e minimização dos impactos ambientais;
  • A reduzida necessidade de mão-de-obra face à quase total mecanização nas actuais operações mineiras e sua crescente especialização, que não se traduzirá na prometida criação significativa de postos de trabalho a nível local pois os poucos postos criados serão precários e temporários; a profunda alteração nas tradições e da qualidade de vida das populações pelas várias formas de poluição e constante ruído provocado pelo desmonte e pelo transporte; a disrupção do actual tecido de micro e pequenas empresas ligadas à agricultura e ao turismo local e de Natureza;  impacto directo na saúde das populações; a diminuição do valor do mercado imobiliário, tanto urbano como rústico, devido à proximidade das explorações mineiras; o aumento inevitável da desertificação após o encerramento – factos que expõem e denunciam a verdade sob a ilusão na qual assenta a minimização dos impactos sociais;
  • Apesar da narrativa sobre a indústria contemporânea estar suficientemente regulamentada e ser segura, a Europa foi apontada como o segundo continente com o maior número de incidentes relacionados com barragens de rejeitados ou falhas críticas de outras infraestruturas. São disso exemplo casos como  Aznalcóllar (1998), Baia Mare e Borşa (2000), Aitik (2000), Sasa (2003), Malvési (2004), Ajka (2010), Talvivaara (2012), Monte Neme (2014) e Cobre Las Cruces (2019). Outras estruturas de rejeitados em toda a Europa estão com sinais de estar à beira de um colapso catastrófico: Riotinto e San Finx, em Espanha, e Cabeço do Pião, em Portugal.
  • A impossibilidade de retomar o uso dos terrenos mobilizados.  A  implementação de descontinuidades irreversíveis nos territórios impossibilita compensar funcionalmente a perda de áreas de ecossistemas e patrimónios protegidos por lei; impede a retoma de actividades agrícolas, silvícolas ou pastorícias nas áreas alvo de exploração e nas suas imediações; não permite a recuperação do tecido social afectado e reduz a probabilidade de recuperação da população perdida; fomenta focos de poluição, alterações irreversíveis das linhas de água e dos lençóis freáticos e afeta o uso de fontes de água potável pelas populações. Existe ainda uma sistemática desresponsabilização pelos impactos severos da poluição na saúde, em assumir prejuízos no valor do património das populações directa ou indirectamente afectadas e pelo real impacto no equilíbrio do país com o encerramento do projeto – realidades contrárias às argumentações falaciosas de “mitigação dos impactos pós exploração” que defendem os promotores.
  • A regulamentação na base da cadeia de abastecimento, tanto na Europa como fora dela, é imperfeita e insuficiente. Para além disso, as administrações são muitas vezes incapazes de fazer cumprir a regulamentação existente. Também as iniciativas internacionais que servem de modelo para os objectivos europeus de Green Mining não estabelecem critérios rigorosos. São disso exemplo programas como Mining, Minerals and Sustainable Development ou a Extractive Industries Transparency Initiative, e quadros nacionais e corporativos existentes para “indústrias extractivas sustentáveis” ( Australian Mineral Industry Framework, South African Mining Charters, Finnish Mining Act, Netherlands Responsible Mining Index, TSM Canada, Anglo American’s Sustainable Mining Plan, World Bank Climate Smart Mining, etc.). Também as iniciativas europeias mais recentes como o Cera 4in1 Standard ou a Finnish Network for Sustainable Mining evidenciam uma grave falta de transparência e de aceitação pelo público uma vez que são dirigidas pela indústria. Estas iniciativas não estão ancoradas em legislação que permitiria a penalização de infrações ou uma participação cívica vinculativa.
  • A participação cívica, sobre a alçada de conceitos industriais como a Licença Social para Operar (do inglês, SLOSocial License to Operate), é sistematicamente reduzida a consultas multi-stakeholder ou outros protocolos não vinculativos com as comunidades afectadas. Ao mesmo tempo, o envolvimento de algumas ONGs a nível nacional e europeu em Clusters ou Alianças industriais e grupos de trabalho, como é o caso da nova legislação europeia de baterias, não é transparente e nem sempre está em sintonia com os interesses e perspectivas do público interessado a nível regional e local.

As Associações e Movimentos subscritores exigem assim a abolição do eufemismo Green Mining e do marketing Green Washing associado, e o acesso à informação verdadeira, clara e transparente que urge sobre as operações de fomento mineiro que envolvem Portugal e a União Europeia. Perspectivando o futuro, exigimos a adopção de um modelo de desenvolvimento que se afirme como intrinsecamente sustentável, assente na valorização do território, na preservação do ambiente e no papel activo da cidadania ,  factores promotores da qualidade de vida, do bem-estar social  e do  respeito pelos valores naturais, patrimoniais  e culturais enquanto elementos de manutenção e construção da sociedade que pretendemos delegar para as gerações vindouras. A mineração nunca é verde!

 

 

 

 

Associação Montalegre Com Vida 

 

Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso

Associação Povo e Natureza do Barroso

Corema – Associação de Defesa do Património | Movimento de Defesa do Ambiente e Património do Alto Minho 

Em Defesa da Serra da Peneda e do Soajo  

Movimento Minas Não

Movimento ContraMineração Beira Serra 

Movimento Contramineração Sátão e Penalva

Movimento Estrela Viva

Movimento Não às Minas – Montalegre 

Movimento SOS Serra d’Arga 

SOS – Serra da Cabreira – BASTÕES ao ALTO!! 

SOS Terras do Cávado 

Fundação Montescola